Diversidade
Deficiência em pauta: o papel das pessoas não deficientes na inclusão de PcD

Dandara Ribeiro 25/03/2021 1708

Para iniciar esse artigo, acho fundamental me apresentar: sou uma mulher, branca, cis e não deficiente. Durante a graduação em Psicologia pela Universidade Federal Fluminense, atuei como bolsista na área da inclusão de alunos(as) com deficiência na universidade e participei de um projeto de pesquisa e extensão chamado Perceber sem Ver, que tem como principal objetivo investigar as relações entre corpo e deficiência. 

Durante essa pesquisa, aprendi a metodologia de PesquisarCOM, que está relacionada ao posicionamento ético e político que optamos enquanto pesquisadoras. Nas palavras da professora Márcia Moraes: “O pesquisar COM o outro implica uma concepção de pesquisa que é engajada, situada. Pesquisar é engajar-se no jogo da política ontológica. Que realidades produzimos com nossas pesquisas?”

Com base nesse conceito, outro surgiu: o de FazerCOM, que nada mais é do que uma ampliação dessa proposta, de modo que ultrapasse os limites da pesquisa acadêmica e abarque todas outras ações que incluam pessoas com deficiência. A principal modulação proposta por essa metodologia diz respeito à forma como construímos e efetuamos pesquisas e ações relacionadas à pessoas com deficiência. Como nos posicionamos? Que realidades e impactos produzimos? 

Esses questionamentos são necessários visto que, ainda hoje, muitas ações são tecidas como verdades absolutas, e sem que o lugar social das pessoas envolvidas seja percebido como algo que impacta nesta construção. Essas reflexões foram despertadas pelo estudo do Movimento Social das Pessoas com Deficiência, e por um lema específico: Nada sobre nós sem Nós”. Essa frase resume uma das principais pautas da luta das pessoas com deficiência: o de que as ações voltadas a elas não fossem criadas somente por pessoas não deficientes, como geralmente acontecia. Em outras palavras: que houvesse representatividade, que suas próprias vozes fossem ouvidas, que não fossem alvos de ações, e sim participantes ativos nessa construção.

E a partir disso, uma outra questão surge: qual o papel das pessoas não deficientes na luta das pessoas com deficiência?

Para responder essa pergunta é fundamental pontuar a diferença entre o silêncio e o silenciamento em lutas que não são diretamente “nossas”. Por silêncio, quero dizer a não participação nas lutas, um posicionamento de pensar que já que você não vive determinada opressão, você não tem relação com aquela causa. Já o silenciamento, é quando buscamos ocupar um lugar de saber com relação a uma causa que não vivemos diretamente, e assim silenciamos as experiências de vida dos sujeitos que as vivem. Então, o que proponho aqui é que se crie uma alternativa entre o silêncio e o silenciamento. 

Em outras palavras, como eu, uma mulher sem deficiência, poderia estar ativamente atuando na inclusão de pessoas com deficiência sem silenciá-las e sem desrespeitar seu lugar de fala? A resposta é simples: me colocando ao lado dessas pessoas, disponível para aprender com elas sobre sua realidade, fazendo o que estiver ao meu alcance para que essa luta se faça presente nos lugares em que essas pessoas ainda não estejam, acessibilizando as comunicações e desconstruindo os estereótipos. E mais: ampliando suas vozes, fortalecendo suas pautas e divulgando suas ideias. 

Da mesma forma, para que as empresas caminhem na direção da inclusão e da diversidade, é fundamental que as ações voltadas à inclusão e diversidade estejam articuladas com as mudanças estruturais necessárias nas organizações, e o primeiro passo nesse processo é promover a representatividade. Um exemplo real que vivemos recentemente foi o seguinte: a TROCA foi contratada para realizar uma sensibilização sobre inclusão de pessoas com deficiência na Cia. Hering. e, apesar de haver entre nós pessoas com conhecimento na área, decidimos convidar uma palestrante externa (Lucília Machado), que possui uma deficiência, para realizar esse evento. Os feedbacks recebidos foram muito positivos e temos certeza que muitas conquistas ainda estão por vir. 

Para concluir, esse artigo, deixamos aqui algumas sugestões de filmes que a Lucília nos indicou sobre o tema da deficiência:

Crip Camp: revolução pela inclusão - documentário lançado pela Netflix em março de 2020 que conta a história da luta por inclusão a partir dos laços criados por jovens com deficiência no Camp Jened, um acampamento de verão que existiu no período de 1951 a 1977 e foi o embrião da luta pelos direitos da pessoa com deficiência nos Estados Unidos.

Meu nome é Daniel - é um documentário em primeira pessoa. Nele, o autor vai atrás do diagnóstico do que causou a deficiência que afeta a sua coordenação motora. Através de imagens de arquivo da família, de reportagens feitas nos últimos anos, momentos, histórias e reflexões da sua infância, reabilitação, escolas, faculdade, adolescência, família, terapeutas, amigos, paixões, mulheres.

37 segundos - filme japonês onde uma jovem desenhista de mangá, que possui o sonho de ser uma artista consagrada, mas vê em sua paralisia cerebral um obstáculo extremamente difícil de ultrapassar. Dividida entre as suas obrigações com a família e as suas aspirações cotidianas, ela se esforça o máximo para se manter sem a ajuda dos outros.

Família Bélier - Filme francês que “desperta a fala do outro e de nós mesmos”. Conta a história de Paula (Louane Emera) uma jovem que tem o pai, a mãe e o irmão surdos. Por ser a única capaz de escutar, Paula trabalha como intérprete nas negociações comerciais da fazenda familiar, e se encarrega de traduzir a linguagem de sinais para os amigos e vizinhos.

Colegas - é um filme de aventura e comédia brasileiro dirigido e roteirizado por Marcelo Galvão. O longa estreou em 1º de março de 2013, e é estrelado por Ariel Goldenberg, Rita Pokk e Breno Viola. Ele é o primeiro filme brasileiro protagonizado por atores com síndrome de Down. 

Cordas - filme de animação - É a história de uma menina que vive num orfanato e que criou uma ligação muito especial com um novo colega que sofre de paralisia cerebral. Ganhou o Prémio Goya 2014 na categoria de Curta Metragem de Animação.

Referências:

PesquisarCOM: política ontológica e deficiência visual

O movimento político das Pessoas com Deficiência.

Nada sobre nós sem nós: da integração à inclusão


Dandara Ribeiro

Gestora de Gente, Gestão e Inclusão

Mulher, cis, branca, não deficiente e formada em Psicologia pela Universidade Federal Fluminense. Mestranda em Gestão e Controladoria Pública pelo programa MAI DAI da UERJ. Atua nas áreas clínica, social e do trabalho a partir da abordagem transdisciplinar e da metodologia de fazerCOM. É movida pelo sonho de transformar vidas, construindo redes através do coletivo, da saúde, do trabalho, e da educação.

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