Desigualdades
Racismo no ambiente de trabalho

Luis Otávio 03/11/2021 1905

Em novembro, celebramos o mês da Consciência Negra no Brasil e qual é a TROCA que essa data tem para nos oferecer?

Bom... vamos começar pelo começo. Eu sou um homem negro, de 30 anos e quero compartilhar um pouco da minha história para mostrar, da minha forma, como a Consciência Negra atuou em prática na minha vida.

Fui uma criança muito comunicativa, um comunicador nato. Gostava de dar minha opinião e expressar meus sentimentos. Sempre para fora, nunca para dentro. Penso que desde cedo eu tinha alguma Consciência Negra já estabelecida.

Venho de uma família onde ⅓ das pessoas eram brancas, ⅓ eram pretas e ⅓ eram mestiças. Filho de pai preto e mãe branca, minha convivência na infância sempre foi muito mais próxima da minha família branca. Acho que de certa forma acreditavam que esse ambiente branco e classe média poderia ser mais saudável para uma criança do que o ambiente periférico e preto da outra metade da família. Será?!

Minha família nem de longe era uma família de militantes. Eu me lembro de ir a encontros familiares onde essa parte branca (ou que se achava branca) da família, estava sempre fazendo piadas racistas em tom de brincadeira e descontração! Primos, tios, tias, primas, brancos e pretos rindo e fazendo graça às custas de piadas racistas. Eu, como bem falei, gostava de expressar minha opinião e foi nesse primeiro momento familiar que começou a surgir atritos entre mim e minha família. Algo me dizia que aquelas piadas estavam erradas, que aquele contexto não era saudável e, principalmente, que não podíamos naturalizar aquele tipo de comportamento. É claro que minhas colocações não eram bem vindas e eu voltava pra casa sempre triste, às vezes chorando e já até ouvi a frase: “Então na próxima vez você não vem!”. Pois é, nunca recebi um acolhimento em relação a como me sentia. Eu “estava errado”.

Cresci machucado, mas sem me calar! Sagitarianos são abusados, eu diria. 

Com mais ou menos uns 15 anos resolvi deixar crescer meu black power! Imagina só! Minha família pirou, né?! ”Homem preto tem que raspar a cabeça”. Eu ouvia. O ano era 2005 e a Consciência Negra ainda era algo bem menos comentado comparado a 2021. Na escola, metade das pessoas pararam de falar comigo porque segundo elas  “eu queria chamar atenção”. Na rua eu era agredido com insultos a cada passo que eu dava! “Raspa essa droga”; “Que coisa horrível”. Riam e debochavam de mim a todo momento. Foi difícil, eu não vou negar! Mas tudo acontece por um motivo.

Hoje em dia eu sei, eu sinto, que meus guias sempre estiveram ao meu lado! Omolu a cada agressão que eu sofria curou minhas feridas para que eu seguisse sem medo de me machucar novamente. Oxum a cada afastamento de pessoas, me acolhia em seu colo, me dava o afeto e o calor no peito que eu precisava pra saber que dentro de mim ainda havia todo o amor do mundo por mim e pelos outros, independente das circunstâncias.

Finalmente cheguei ao meu primeiro emprego. Eu sobrevivi! E lá estava eu, em um emprego incrível, sendo eu mesmo como sempre fui e muito mais maduro para lidar com as situações do dia-a-dia. No entanto, no ambiente de trabalho não seria diferente do que havia sido antes. Se você chegou até aqui você já deve ter entendido que eu não abaixaria a cabeça no trabalho diante de situações racistas. E assim foi!

Eu era o único preto e até aí tudo bem. Sempre convivi com brancos e sabia falar “a língua deles” muito bem, todos me amavam. Mas amar é o suficiente? Não é. O desmonte do racismo estrutural se dá na mudança dos mínimos detalhes. Eu lembro do dia em que um chefe falou que meu cabelo parecia uma vassoura. Rapidamente apontei que a colocação era racista e ele, muito  envergonhado, pediu desculpas e ainda me autorizou a chamar atenção dele sempre que necessário. Veja bem, ele me autorizou! O racismo é tão naturalizado que até para acusarmos ele “precisamos” de autorização.

Em outro trabalho, Dona Maria (nome fictício), uma moça humilde, preta também, era a pessoa responsável pela limpeza do nosso local. Lembro de uma reunião quando todas as pessoas brancas estavam sentadas à mesa de confraternização esperando Dona Maria arrumar tudo e servi-los. Logo me levantei e comecei a realizar as tarefas com ela. Era Natal e eu queria Dona Maria com a gente, aproveitando a data e a celebração do fim de ano. Óbvio que depois que comemos, Dona Maria era quem iria lavar a louça. Mais uma vez me levantei e fui realizar as tarefas com ela. Todos sentiram o meu desconforto em relação à atitude que eles estavam tendo, mas ninguém se preocupou em realmente fazer algo de diferente. E essas pessoas eram supostamente “militantes”, atentos às causas sociais, modernos e de esquerda. Esse seria um lugar, em teoria, seguro para pessoas como nós!

Agora que já contextualizei um pouco sobre a minha vivência, vou falar do  nosso contexto atual. Trabalhar a inclusão de pessoas pretas nas empresas é muito importante. Mas precisamos entender as necessidades diversas que pessoas pretas vão ter nesses ambientes de trabalho.

  • Não podemos apenas contratar uma pessoa preta e chamar isso de inclusão. 
  • Não podemos apenas contratar uma pessoa preta e não ter o mínimo de suporte para atender as necessidades dela naquele espaço estruturalmente racista. 
  • Não podemos apenas contratar uma pessoa preta e agir como se ela tivesse que agradecer por já estar fazendo parte daquele espaço.
  • Inclusão requer responsabilidade!
  • E já está mais que na hora das empresas se responsabilizar por esses corpos pretos dentro de suas empresas:
  • Contratem não uma, mas diversas pessoas pretas. 
  • Criem um grupo de afinidade preto dentro da empresa. 
  • Abram espaço e dê oportunidades para essas pessoas serem ouvidas, respeitadas e amadas! Sim, porque o amor também é muito importante para pessoas pretas. Ok?
A TROCA pode te ajudar a implementar um Programa de Inclusão para pessoas pretas.

Se responsabilizar pela saúde mental de pessoas pretas no ambiente de trabalho gera uma sensação de bem estar a todos. Criando laços sinceros de respeito e afeto da base até o topo da empresa, ajuda a criar harmonia no ambiente e com isso uma maior proatividade e desenvolvimento dos mesmos.

Pessoas pretas não querem apenas emprego. Querem as mesmas oportunidades, querem ser respeitadas, ouvidas e sobretudo ser felizes!

Então, quando pensarmos nesse mês e na Consciência Negra, vamos lembrar que com consciência vem também a responsabilidade para que o mundo evolua nas leis do afeto e da união.


Luis Otávio

Luis é natural do Rio de Janeiro, tem 30 anos e atua na cena carioca das festas com sua personagem Onírica. Artista, web designer e produtor cultural, nas horas vagas ta sempre no mato buscando paz e encontrou na yoga um ponto de encontro com o equilíbrio e o bem estar.

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